quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A arte de mover montanhas

Deus é brasileiro, dizem. A escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016 está aí pra reforçar essa tese. A fé sempre foi nosso forte, já que nos outros departamentos – o que inclui educação, saúde, segurança, trabalho, qualidade de vida e principalmente honestidade – a credibilidade do país se enfraquece a cada dia.
Enquanto se aproxima o feriado que celebra a padroeira do Brasil, ela parece um assunto pertinente. Não a religião em si, nem suas variações de culto, mas a própria Nossa Senhora. Aparecida de muitos outros nomes, imagem da mãe complacente que se tornou protagonista de algumas de nossas melhores histórias.
No Auto da Compadecida, essa complacência pelo jeitinho malandro tão brasileiro aparece em toda a sua glória. Originalmente uma peça de teatro escrita por Ariano Suassuna, a trama é construída com bom humor e uma expressiva mistura de elementos, tanto religiosos quanto do imaginário popular nordestino. Em termos gerais, trata-se de uma comédia que acha sua graça no poder de acreditar. Pulando do universo teatral para o audiovisual, O Auto da Compadecida fez sua primeira parada na televisão, como minissérie da rede Globo. Sob a inventiva direção de Guel Arraes, a versão reduzida da série virou filme e estreou nos cinemas em 2000.
O auto começa no sertão da Paraíba, acompanhando dois “picaretas”: João Grilo (personagem de Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello). Eles anunciam A Paixão de Cristo, que além de ser "o filme mais arretado do mundo" é também uma das muitas estratégias da dupla para sobreviver. Entre confusões com os padres da igreja e o major da cidade, João Grilo e Chicó conquistam, se não a riqueza que gostariam, pelo menos a simpatia de quem assiste suas peripécias. Seja pela esperteza, criatividade, ou pela simplicidade com que encaram a dureza da vida, os dois sabem muito bem até onde vão suas virtudes – e a falta delas.
Pecados mal iniciados, como os planos de João Grilo de casar Chicó com a cobiçada Rosinha, apoderando-se de uma porca de barro cheia de dinheiro, não são levados a cabo porque o cangaceiro Severino entra desavisado nessa equação. Alguns tiros e várias mortes depois, os personagens se encontram no Juízo Final, momento no qual pedem absolvição divina com a intercessão de Nossa Senhora em pessoa (Fernanda Montenegro, em uma bela aparição – com o perdão do trocadilho).
O apelo à Compadecida levanta uma verdade que Suassuna coloca na “moral” da peça: recorre-se à misericórdia porque, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada. Mas é uma questão no mínimo delicada, porque o mesmo povo que cai em pecado também sofre, desse modo se redimindo – embora não a ponto de as pessoas se tornarem santas.
Exageros e licenças poéticas à parte, a história é o alegre retrato de uma crença generalizada. Em um país onde a razão não salva ninguém, a saída mais inteligente ainda é recorrer à boa e velha fé para resolver tantos problemas. Ainda que, para todos os efeitos, nem mesmo milagres sejam suficientes hoje em dia. Neste caso, remediados estamos: com o Auto da Compadecida, podemos rir de nossos pequenos infernos, esperando por uma redenção que não chega tão cedo.

2 comentários:

  1. Bem vou escrever em um só pra naão babar ovo!! Realmente seus textos estão bem legias, críticos mas bastante inparciais, adorei pretendo continuar lendo!!! bjo, parabéns e boa sorte!!!

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  2. Nossa guria tua postagem ficou muito boa, alias execelente

    "Em um país onde a razão não salva ninguém, a saída mais inteligente ainda é recorrer à boa e velha fé para resolver tantos problemas"

    Com certeza se o povo brasileiro não fosse tão religioso os indices de suicidios iam aumentar, ainda mais com esse cenário politico atual com tanta marmelada e falcatruas, alias a marmelada é de sobremesa para as pizzas do senado federal hahhaah enfim se não fosse a fé que o povo brasileiro tem não só em Deus, mas tambem na nação nós teriamos um país com condições de vida muito piores. ainda bem que o Brasileiro gosta da "arte de mover montanhas" hahahaha

    beijão gata até mais

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