quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Labirintos e papéis amarelados

A história do mundo tem caminhos labirínticos. Esta semana, um evento de consequências mundiais faz aniversário. Sem comemorações. No triste outubro de 1922, a Marcha sobre Roma decretou o início de uma era que a humanidade gostaria de esquecer: o império dos regimes totalitários – ou, para deixar de eufemismos, a vergonha representada pelas ditaduras.
A manifestação na Itália marcou a ascensão ao poder do Partido Nacional Fascista, que posteriormente inspiraria a criação, no país vizinho, de um Partido Nacional Socialista – a.k.a. Nazista. Com a Alemanha dominada por Hitler e a Itália por Mussolini, não demorou muito para que os primeiros rebentos do totalitarismo começassem a nascer. Um deles na Espanha, sob o controle do militar fascista Francisco Franco, o qual permaneceria no poder durante quase 40 anos.
O Labirinto do Fauno / El Laberinto del Fauno se passa justamente nesse período negro da política espanhola. Escrito, dirigido e produzido pelo cineasta mexicano Guillermo del Toro, o filme foi lançado em 2006 pela produtora Tequila Gang e premiado com 3 Oscars (Melhor Fotografia, Direção de Arte e Maquiagem).
Corre o ano de 1944 e Ofélia (Ivana Baquero) se muda para uma casa no campo com sua mãe, que está grávida e muito debilitada. O padrasto de Ofélia, um implacável capitão do exército franquista (interpretado por Sergi López), não disfarça seu desprezo pela menina. Em um período logo após a Guerra Civil no país, o capitão não mede esforços – nem violência – para extinguir os últimos resquícios de movimentos rebeldes republicanos, que ainda sonham com a democracia.
Apegando-se ao poder da magia para enfrentar tempos difíceis, Ofélia tem nos livros seus maiores aliados. Tanto é influenciada por eles que acaba se confrontando com personagens apenas imaginados em histórias fantásticas. Levada pelo que acredita ser uma fada, a menina descobre as ruínas de um labirinto onde encontra o Fauno (Doug Jones). A estranha criatura lhe faz uma revelação: embora não se lembre, Ofélia é na verdade a princesa de um Reino Subterrâneo, “onde não há mentira nem dor”. Contudo, para que possa retornar ao reino e rever seu pai, ela deve cumprir três complicadas tarefas antes da lua cheia.
A partir do encontro com o Fauno – ser mitológico que representa o destino e a fatalidade – somos transportados a um universo em que a fantasia se torna cada vez mais real e concreta, pelo menos aos olhos de Ofélia. A história da menina representa a luta pela sobrevivência em um mundo de crueldade e morte. Não apenas para manter vivo o corpo, mas as ideias que o movem. Para preservar o sentimento e principalmente a liberdade, colocada em risco pelo fascismo.
Ainda nos anos 30, praticamente prevendo o controle da Europa pelos regimes antidemocráticos, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset já havia alertado para o perigo da perda do pensamento individual através da massificação. Em A rebelião das massas, ele afirmava que o crescimento do poder econômico e político de uma classe média (remediada) levou à criação de uma maioria alienada, que impõe uma cultura de comportamento padronizado e nivelado por baixo. Prato cheio para Estados autoritários, baseados na ilusória salvação do orgulho nacional.
Exemplos disso existem até os dias de hoje, e nem precisamos ir muito longe para encontrá-los. Nossa própria América Latina observa de braços cruzados enquanto o fantasma do autoritarismo volta a nos assombrar. Neste caso, basta um pouquinho de imaginação para ver nosso destino, e infelizmente ele não tem semelhança nenhuma com as aventuras dos contos de fadas.

2 comentários:

  1. Incrivel gostei de vc ter citado o Ortega Y Gasset, se alguem tiver duvida sobre ele eu vou mandar ler sua postagem hahahaah beijão gatona

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  2. Legal, muito bem escrito e comparado, gostei muito. Deu até vontade de assistir (^^).

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