quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Vida para ver de fora

Basta ligar a TV. Somos apresentados a Truman Burbank, um homem comum vivendo em uma cidade comum, onde nada de muito extraordinário acontece. Tudo funciona, tudo parece perfeito, só que por trás dessa linda fachada existe algo errado, algo que perturba Truman. Ele não sabe, mas sua vida faz parte de um “reality show”.
Essa é a premissa do filme O Show de Truman / The Truman Show, dirigido por Peter Weir e lançado em 1998 pela Paramount. No papel do protagonista está Jim Carrey, revelando uma face muito diferente da que estamos acostumados a ver. Aqui, a comédia rasgada dá lugar a uma reflexão profunda e interessante sobre o poder da mídia na sociedade de consumo.
A vida de Truman é uma encenação. Desde que nasceu, adotado por uma corporação, seus passos foram captados por milhares de câmeras espalhadas em uma cidade cenográfica onde todos são atores. Sua família, sua esposa, seus amigos, cada um deles trabalhando para manter a estrela do show alheia à sua real condição.
Mas nem a melhor redoma permanece intacta de rachaduras. Pouco a pouco, Truman começa a perceber detalhes estranhos à sua volta. Um holofote que cai do céu, uma transmissão de rádio que narra o que acontece na rua, propagandas que entram em cena descaradamente no seu dia-a-dia. Truman desconfia. E começa a se perguntar sobre o que está lá fora, desejar além.
Em O mundo como vontade e representação, o filósofo Arthur Schopenhauer já havia abordado esse problema, com a conclusão de que viver é sofrer. Ou seja, o homem está fadado à insatisfação. Para Truman, prisioneiro da própria ignorância, a angústia é buscar seu propósito no universo. Eventualmente, a história toca também em outro conflito antigo da humanidade: a vida não se resume ao nosso próprio umbigo. "Às vezes parece que o mundo inteiro gira em torno de mim", diz Truman. “É bastante mundo para um homem só”. Neste caso, nem tanto.
O que ele busca é apenas uma identificação com algo além de si mesmo. Na ilusão da vida tipo “comercial de margarina”, nada é autêntico. Tudo é produto, tudo é feito para ser vendido, não sentido ou pensado. Christof, o criador do show no filme (interpretado por Ed Harris), considera-se um pai para Truman, mas até o afeto que tenta demonstrar é uma mera fantasia de sinceridade: ele gosta de sua “criatura” porque ela faz sucesso. Como o maestro de uma orquestra, rege cada movimento para que aquilo que se vê na tela volte refletido em audiência, em lucro. Brinca de Deus, com o poder onipotente de interferir no destino do “filho” - ou mesmo destruí-lo. Não há limites, e a moral do “entretenimento acima de tudo” é bastante duvidosa.
Participando desse processo está o espectador padrão. Cansado de pirotecnias, ele se vê entediado com atores fingindo emoções falsas. Ainda que o mundo de Truman seja coreografado, não há falsidade na pessoa que o protagoniza. Não há falas decoradas nem reações previsíveis. O resultado não é sempre genial, mas é genuíno.
De suas casas, os telespectadores acompanham O Show de Truman como se o conhecessem intimamente. Torcem para que o personagem reencontre um amor do passado, perguntam-se o que irá acontecer se ele descobrir que seu mundo é uma farsa, riem e choram com as alegrias e dores desse ator que não escolheu fazer parte do espetáculo, privado de qualquer resquício do seu livre arbítrio. Quem assiste ao programa imagina que se importa com Truman, mas não nota o fato de que ele é um simples fantoche manipulado por uma equipe de produção. E isso, meus caros, chama-se alienação.
Em uma cultura obcecada por realidades cuidadosamente construídas, as pessoas preferem se recolher em suas casas para observar como “voyeurs” a vida social de outras pessoas. Elas projetam seus desejos nas imagens que vêem na tela. Através dos personagens da ficção, encontram um meio de vivenciar novas aventuras. Então, esperam sempre por algo extraordinário – o próximo close, as frases marcantes, os efeitos especiais. E nunca é suficiente. Ainda que parecido com "a coisa em si", o que está ali não passa de uma realidade maquiada, de mentirinha.
Assim, podemos desligar a TV ou sair do cinema aliviados - nada nos aconteceu de fato. Deixamos de viver para mergulhar em sonhos abstratos, e perdemos o que há de melhor do lado de cá da tela: a minha vida, a sua vida - que é pra valer e acontece agora. Também tem começo, meio e fim. Só não dá pra apertar a tecla “rewind” ou refilmar o roteiro, por menos empolgante que seja a história.

5 comentários:

  1. muito boa a postagem demaissssss

    E por falar em reality show o nosso "global" Big Brother é todo ensaiadinho e engana os telespectadores já na ficção no "Show de Truman" quem acaba sendo enganado é o participante que nem faz ideia que é um astro, porem é um astro frustrado!

    beijão Ka adorei!

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  2. Boa, doeu!! ehhehe bom bjo

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  3. Este filme é genial.
    Para mim, ele se resume no ultimo take, quando tudo acaba,e o segurança pergunta para o outro: o que tem noutro canal?
    Na verdade, ninguém torcia para o Truman, apenas torcia para o desfecho positivo de suas próprias projeções na série. A libertação das coisas desconcertantes em vida. Todos os telespectadores mostrados estão em alguma condição desfavorável. Temos o cara entediado da banheira, as velhinhas solitárias, as atendentes frustadas no bar...enfim, o programa era uma forma de fugir daquela realidade, como acontece na vida real. Nada de programas muito reflexivos, ou construtivos demais, porque o telespectador quer algo para "espairecer";desperdiçar o tempo com algo que ele não precise resolver.Para que pensar no que acontecerá com Trumam depois que ele sai do estúdio? O programa já saiu do ar e não tem , nem leva mais significado a alguém. Boa escolha para o post Katita. E como sempre, supertexto.
    Bjss

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  4. Belo texto Katia, realmente... acho que uma forma bem clara de como as mídias podem interferir (e manipular) na vida da pessoa está explícita nesse filme.

    Beijo.

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  5. Hola katita, espero que hayas tenido un buen viaje y estés disfrutando de tu familia. Te prometí que entraría en tu blog y así lo hice.Como ves, te escribo en español para que aprendas otro poquito. ¿Sabes? Me ha gustado mucho tu blog amiguita, super bueno, todo muy arregladito como tú sola sabes hacerlo. Sigue así, mis felicitaciones..

    besos

    Pastorrrrrrrrrrrrrr

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