quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Sobre verdades e mitos

Enquanto os governos latino-americanos se ocupam causando tensões políticas ao receberem o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad (Lula foi um dos que fizeram questão de discutir com ele a questão nuclear), duas potências mundiais começam a abrir os olhos para uma outra questão, essa muito mais urgente. Nesta semana, China e Estados Unidos fizeram declarações que apontam como luzes no fim de um túnel que, se permanecesse escuro como nos últimos anos, possivelmente nos levaria em pouco tempo à auto-destruição.
A China, cuja economia se tornou extremamente ativa na última década, acaba de declarar que tentará reduzir entre 40 e 45% sua emissão de gases poluentes na atmosfera. Já o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao contrário de seu antecessor, parece ter entendido que a crise climática não é mais um probleminha que pode ser empurrado para baixo do tapete. Desde que o governo norte-americano se recusou a aderir ao Protocolo de Quioto – acordo assinado em 1997, que comprometia os países envolvidos a reduzirem suas emissões de CO2 – os protestos tem sido veementes quanto ao fato de que seria obrigação do país que mais polui ser também o primeiro na luta pela preservação do meio ambiente.
Ao que parece, 2009 aponta para a possibilidade da mudança desse quadro. Obama se comprometeu a participar pessoalmente da Conferência do Clima que a ONU realizará em Copenhague no mês que vem, onde tornará oficial a meta de, até o ano de 2020, reduzir em 17% a poluição emitida por seu país. Embora a promessa soe como um longo caminho a percorrer, pois muito mal pode ser feito ao planeta enquanto eles tentam se adaptar a essa realidade, toda jornada deve começar com um primeiro passo.
O apelo mundial pela conscientização, principalmente dos EUA, existe há algum tempo. Em 2006, um filme já havia abordado esse assunto de maneira muito eloquente. Uma verdade inconveniente / An inconvenient truth, é um documentário dirigido por Davis Guggenheim, tendo como protagonista o ex-concorrente de George Bush à Casa Branca: Al Gore. O filme foi produzido pela Lawrence Bender Productions e recebeu dois Oscars (melhor documentário e melhor música). Como tema, o aquecimento global – que na época parecia preocupar todos os países do mundo, menos os Estados Unidos.
Uma verdade inconveniente acompanha a trajetória política de Al Gore e seu circuito de palestras, alertando sobre nosso potencial de destruição da camada de ozônio e a consequente crise climática que estamos fadados a enfrentar. Com números claros e preocupantes (para qualquer ser humano com um mínimo de bom senso), a questão é explicada e discutida. Perguntas são colocadas em pauta, soluções são sugeridas. Se queremos garantir nosso futuro como civilização, responsabilidades precisam ser assumidas e posicionamentos tomados.
O documentário interessa não apenas porque, com os slides de Al Gore e as imagens contundentes de Guggenheim, o espectador se sente como um participante da palestra. Mas porque diz respeito a todos nós e ao lar que chamamos de Terra. A compreensão dos problemas apresentados não exige muito esforço. A visão do que irá acontecer por nossa própria culpa, menos ainda.
Sim, é verdade que estamos acabando com o único lugar que permite nossa existência. E é mito que soluções paliativas irão reverter essa situação. A chave, naturalmente, está na mudança de atitudes. Embora sejamos pequeninos perante a grandeza do universo, cada um de nós tem poder. São as ações individuais que, juntas, transformam a coletividade. Não precisamos (ainda) de milagres, só de consciência e boa vontade. Quem sabe assim, daqui a algumas centenas de anos, ainda tenhamos um planeta azul para chamar de nosso.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Os infernos que criamos

Paraíso agora. Além de uma utopia que está muito longe da realidade mundial, especialmente no Oriente Médio, essa é a tradução do título do filme Paradise Now, que retrata o conflito entre israelenses e palestinos do ponto de vista daqueles que normalmente não tem muita voz no mundo ocidental.
A desconsideração do Ocidente aos apelos palestinos teve mais uma prova na última segunda-feira, quando a União Europeia rejeitou a proposta para a criação de um Estado palestino independente de Israel junto ao Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). O ministro das Relações Exteriores da Suécia justificou que ainda não há condições para o reconhecimento desse Estado. Os líderes europeus alegam que as duas partes precisam voltar a negociar.
Enquanto isso, israelenses e palestinos continuam se matando por terras que ambos os povos consideram suas por direito. Em 1948, palestinos ocupavam os territórios que foram anexados ao Estado de Israel, criado pela ONU. Desde então, eles tem negado a legitimidade dessa resolução e lutado violentamente – com o apoio dos países árabes que cercam Israel – pelo estabelecimento do Estado da Palestina.
Paradise Now conta a história de dois amigos, Said e Khaled, recrutados por um grupo extremista para realizar um ataque terrorista em Tel-Aviv. Produzido em 2005 pela Augustus Films e dirigido por Hany Abu-Assad, o filme causou polêmica ao ser indicado para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A trama se concentra na relação entre os homens-bomba palestinos, suas crenças e a maneira como elas afetam suas vidas, sem julgamentos pessoais e sim analisando o contexto social que culmina em atos desesperados. Quando, no dia de cumprir sua missão, os dois amigos se separam na fronteira dos territórios, Said desaparece. Embora mantenha o propósito de levar o ataque adiante, guiado por sua fé no destino e no paraíso, ele não consegue evitar os questionamentos sobre o que está prestes a fazer.
Com um roteiro honesto, que não recorre a saídas fáceis ou ilusórias, o filme lida de forma sensível com uma das questões mais complexas da atualidade. Humaniza os “vilões da história”, mas sem transformá-los em “coitadinhos”. Sabemos que o suicídio não é sacrifício, é vingança. Quando as vítimas se tornam assassinas, não há diferença entre elas e seus opressores. Mas num mundo em que a vida não oferece muitas opções e o paraíso é a única esperança de melhora, em que a guerra é o único caminho para a liberdade, é compreensível a escolha desses homens: “se não podemos viver como iguais, ao menos morreremos como iguais.”
Paradise Now faz pensar, faz sentir. Para aqueles se que sentem incomodados pelo ponto de vista abordado, seria interessante observar que a consciência e a discussão desses fatos pode ser um começo de solução. Não é mais possível camuflar a realidade. Os terroristas, antes de serem convencidos a agirem como tais, possuíam empregos, famílias e amigos, como qualquer pessoa. Em sua concepção, a luta armada busca o fim da injustiça e da covardia, porque chega um momento em que simplesmente não vale a pena viver sem dignidade. É perturbador vê-los como seres humanos e entender suas razões. Mas é também uma perspectiva que merece ser vista.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Adeus, muros?

Nesta semana, a Alemanha e o mundo comemoraram o aniversário de vinte anos de uma queda. Em novembro de 1989 foi derrubado o Muro de Berlim (que separava a Alemanha em dois lados: o Ocidental – capitalista, e o Oriental – socialista). A divisão do país ocorreu logo após a 2a Guerra Mundial, simbolizando a rivalidade entre EUA e URSS, que se estendeu durante todo o período da Guerra Fria.
Muito se tem falado sobre esses fatos históricos, pouco se tem acrescentado ou verdadeiramente refletido a respeito. Nesse sentido, Adeus, Lênin! / Good Bye Lenin!, da produtora alemã X-Filme Creative Pool, talvez seja uma das exceções. Lançado em 2003 e dirigido por Wolfgang Becker, o filme retrata os acontecimentos sob a perspectiva das relações familiares dentro de uma sociedade em transformação. No entanto, não se limita a isso, oferecendo também um consolo àqueles que – onde quer que estejam – ainda acreditam em regimes políticos mais justos.
Adeus, Lênin! conta a história de Alex (Daniel Brühl), um alemão do lado socialista que sonha em ser astronauta e deseja a unificação do país. As coisas mudam quando sua mãe (Katrin Sass) tem um enfarte e entra em coma. Alex passa a se dedicar a ela, na esperança de uma recuperação, enquanto a realidade a seu redor também sofre grandes mudanças. O muro cai e a Alemanha volta a ser uma nação única, sob o signo do capitalismo e da Coca-cola que invade as ruas.
Um belo dia, a mãe de Alex acorda do coma. Informado que ela ainda está muito debilitada e deve evitar emoções fortes, o rapaz se vê em um dilema: como contar para a mãe, fiel partidária dos ideais socialistas, que seu amado país se vendeu e cedeu ao poder do Ocidente? Alex decide simplesmente não falar a verdade. Para tanto, ele é obrigado a montar um esquema de ação que vai se tornando cada vez mais difícil de sustentar. Sua irmã, sua namorada, seus vizinhos, seu apartamento, até mesmo os programas na TV, tudo é preparado para que a mãe de Alex acredite que ainda vive em uma república socialista.
A mentira que o filho se esforça tanto para manter é, na opinião dele, uma forma de proteger a mãe. Mas até que ponto pode ser justificável enganar alguém, mesmo que por amor, mesmo que para o bem dela, se essa pessoa perde o direito de ver a realidade com seus próprios olhos? A namorada de Alex chega a perguntar: “Que diferença faz, uma vez que se começa a mentir?”
A Alemanha criada para a mãe de Alex era o país em que ela acreditava e com o qual havia sonhado. Só que não era o país que estava acontecendo lá fora. Alimentando sua farsa, quase sem perceber Alex construiu mais um muro, imaginário mas tão nocivo quanto o muro concreto: uma barreira entre sua mãe e a verdade. Ele acaba descobrindo que as mentiras são filhas dos medos e geram sofrimentos que poderiam ser evitados. São elas que criam as divisões.
O socialismo das ideologias não visava o isolamento. Então por que tantos muros? Mesmo que alguns já tenham caído ao chão, outros novos continuam sendo erguidos. Muros cada vez mais altos. Se vivemos em um mundo supostamente globalizado, as segregações não deveriam existir. Mas existem. E existirão até que o primeiro de nós, cansado de não ser livre em um mundo que pertence a todos, ultrapasse a fronteira da intolerância e comece a quebrar as pedras, uma a uma.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Esfriando os ânimos

A temperatura aumenta. Ao ar livre, o sol se prepara para tostar quem sob ele se arrisca. Em locais fechados, a sensação é de uma sauna indesejada. Suamos e nos abanamos, reclamando do calor infernal. Saudosos, lembramos do inverno, esquecendo que no frio as reclamações eram bem parecidas - só que ao contrário.
Esse cenário poderia simplesmente ilustrar o verão que abrasa a maioria das cidades brasileiras, mas também trouxe à tona uma trilogia que - se difere um pouco dos outros filmes desta coluna - tem pelo menos um mérito: amenizar o calor com uma dose de bom humor. A animação A Era do Gelo / Ice Age, foi produzida pela Blue Sky Studios em 2002 e co-dirigida por Chris Wedge e Carlos Saldanha. Seguindo essa bem sucedida fórmula, o brasileiro Saldanha deu continuidade à série, com o segundo filme (Ice Age - The Meltdown), lançado em 2006, e o terceiro (Ice Age - Dawn of the Dinosaurs), exibido nos cinemas há poucos meses, inclusive na versão 3D.
Boa parte da popularidade do filme e de suas continuações se deve à identificação do público com os personagens, um grupo de animais cujas aventuras se passam no período glacial: o mamute Manny, a preguiça Sid, o tigre dente-de-sabre Diego e o esquilo Scrat (que começa como um mero coadjuvante, mas acaba roubando a cena com sua famosa e sempre engraçada obsessão por nozes).
O primeiro A Era do Gelo fala sobre a difícil arte de estabelecer laços. Numa jornada para longe das geleiras, em busca de climas mais amenos, Manny conhece Sid e acaba ganhando um inconveniente companheiro. Durante a viagem, eles resgatam um bebê humano e resolvem devolver a criança à sua tribo. Diego se junta aos dois e consequentemente também é envolvido pelos objetivos heróicos de Manny e Sid. Lutando contra os perigos das terras geladas que atravessam, esses incomuns amigos descobrem, em seus próprios relacionamentos, conflitos que no fundo são bem piores do que a mudança climática.
O segundo filme aborda a fase do degelo. Prontos para uma nova vida, imagina-se que de fartura, os três companheiros se deparam com mais problemas, entre eles o fato de que aparentemente Manny está fadado à solidão: não existem mamutes fêmeas sobreviventes. Ou talvez até exista uma, o que seria ótimo se ela não se pensasse ser um gambá. Além disso, a água descongelada dos oceanos ameaça invadir o vale onde vivem nossos heróis, que embarcam em uma missão para salvar sua comunidade.
O terceiro e mais recente filme trata das complicações que surgem para Manny durante a ansiosa espera por seu primeiro filho. Sid e Diego, sentindo-se deslocados no antes tão natural grupinho de amigos, começam a desejar suas próprias realizações, principalmente suas próprias famílias. Nessa busca, desbravando terras desconhecidas, eles se deparam com novos inimigos: os dinossauros.
Apesar de algumas criticadas incorreções históricas, do apelo a um ou outro clichê (como o paquiderme “durão” e a preguiça “burrinha”, mas de bom coração), e de seguir nos três filmes a mesma receita de trama simples para agradar a uma maioria não muito exigente, A Era do Gelo é certamente uma trilogia bem intencionada. O coração sai aquecido por um tipo de diversão despretensiosa que valoriza aspectos positivos do comportamento humano, refletidos nas atitudes dos animais/personagens. De quebra, o corpo se esquece do clima tão quente que arde lá fora. Rir pra esquecer. Não é para isso que servem as comédias desta vida?