domingo, 23 de setembro de 2012

Cinema & Etc. - O Retorno



É preciso dois funcionários do cinema para descer a cadeira de rodas escada abaixo. A fila na bilheteria aumenta, a sessão do filme "Intocáveis/Intouchables" está para começar. Ao lado da cadeirante, sua amiga espera, tranquila. A paciência, nesse caso, acaba sendo uma constante. Mas ela não se importa.

Há quem diga que o cinema francês já teve dias melhores. A própria temática da imobilidade já foi explorada belamente em "O escafandro e a borboleta/Le scaphandre et le papillon", de Julian Schnabel, com a tocante história do jornalista que "ditou" um livro sobre sua experiência de vida apenas piscando o olho esquerdo – único que ainda conseguia mexer em seu rosto.

O corpo inerte em uma cama de hospital e a alma eternamente inquieta também são temas do longa espanhol "Mar adentro", que conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro e rendeu a Javier Bardem reconhecimento internacional por sua brilhante interpretação de um homem que buscava ajuda para morrer. Profundamente delicado e cheio de abismos de incompreensão, esse não é um terreno fácil de navegar.

Muitos dos espectadores do filme "Intocáveis", fechados em uma sala escura apesar do exuberante dia de sol lá fora, talvez se perguntem se ainda há o que falar sobre esse assunto, se não é melhor deixá-lo escondido junto a tantas outras tragédias, tantos outros medos que assombram àqueles que não precisam lidar diariamente com a paralisia do corpo – ameaçados apenas pela estagnação do pensamento.

Não sabemos o quanto temos sorte, é a mensagem recorrente. Hollywood adora martelar essas palavras em nossas mentes, como um mantra de que poderíamos muito mais do que somos, de que a felicidade nunca está ao alcance, que ela precisa ser eternamente buscada. Nisso, o longa de Olivier Nakache e Eric Toledano faz um detour da regra: sim, é possível dar risada do que nos causa angústia. Tudo é uma questão de perspectiva.

O filme teria os elementos ideais para se tornar um apelo melodramático, mas optou pela leveza. Em sua inconsequência, imaturidade e até ingenuidade, o personagem Driss (Omar Sy) é o amigo de que o tetraplégico Philippe (François Cluzet) precisava. Ele representa a quebra de uma falsidade humanística, de uma intelectualidade que se protege em sua distância do mundo real.

Existe um motivo pelo qual o filme fez tanto sucesso, não só na França. Ele fala a um público que é em si mesmo imperfeito, cheio de falhas e de atitudes politicamente incorretas - mas que, ainda assim, pode ensinar muitas coisas. A primeira delas, a deixar de lado conceitos de superioridade e olhar para as outras pessoas como iguais, como fazem os verdadeiros amigos. Não sentir pena, mas saber rir das pequenas coisas, pois são elas que fazem a diferença.

Na saída do cinema, a mulher na cadeira de rodas abre um enorme sorriso. A amiga coloca a mão em seu ombro e sorri com ela, entendendo que algumas mensagens valem a pena ser repetidas.

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